Finalista do Prêmio São Paulo de Literatura, Melhor Romance de 2023
Finaliste du Prix São Paulo de Littérature, Meilleur Roman de 2023
Finalist for the São Paulo Literature Prize, Best Novel of 2023
A nudez da cópia imperfeita
Tentei escrever este livro durante o linchamento virtual. Escrever, no entanto, era impossível. No princípio, o texto imitava o fato, resistia a ficção, narrava a experiência e não os seus efeitos. Eu queria me livrar da ferida autobiográfica, mas para escrever é preciso esquecer. E o que é o esquecimento senão um lembrar com imagens arquivadas?
Uma performance de um artista no Museu de Arte Moderna de São Paulo em 2017 torna-se motivo de comoção e violência. Enquanto apresentava uma releitura da obra Bichos, de Lygia Clark, na qual punha o próprio corpo nu à disposição do espectador para ser manipulado, Wagner Schwartz teve seu corpo (sua obra) relado por uma criança, a filha de uma grande amiga sua, que estava no recinto no momento da apresentação. Um vídeo do momento foi capturado, retirado completamente de seu contexto e disseminado internet afora. Rapidamente uma enxurrada de ódio, violência e selvageria passou a ser direcionada ao artista. Nem perto de poucas foram as ameaças de morte que Schwartz sofreu.
A situação toda compõe uma triste parábola: o Brasil odioso, odiento, marcadamente fanático que passamos a ser a partir de 2016 já se afigurava ali, na inocente sala de um museu. O corpo masculino reduzido à impotência, a arte dessacralizada, tornada objeto prosaico, uma série de fatores identificados com a descolonização do pensamento dominante, geraram uma reação coletiva criminosa, marcada pela perseguição, pelo assédio psicológico, por ameaças explícitas nas redes sociais e, principalmente, pela desenfreada repetição de um covarde encadeamento de fake news em veículos e grupos identificados com a extrema direita brasileira — que até mesmo a morte do artista elucubravam.
Neste relato visceral e experimental, no qual se fundem instalação e texto, performance e palavra, obra e autobiografia, Wagner Schwartz oferece um testemunho inigualável do artista vitimado pelo autoritarismo, pela sombra perene da violência, por um engenhoso e dissimulado mecanismo de censura que mesmo nos espaços (e países) ditos democráticos vige.
Sobrevivente em mais de um sentido do regime autoritário que tomou de assalto o Brasil a partir de 2016, Wagner Schwartz demonstra, neste romance sem paralelos, a formação do modo-de-ser da arte e do artista que desejam, ainda que resfolegantes, sufocados, oprimidos, sempre mais um sopro de vida.
Editora Nós
La nudité de la copie imparfaite
J'ai essayé d'écrire ce livre pendant le lynchage virtuel que j'ai subi. Écrire, toutefois, était impossible. Au début, le texte imitait les faits, résistait à la fiction, racontait l'expérience et non ses effets. Je voulais me libérer de la blessure autobiographique, mais pour écrire, il faut oublier. Et, qu'est-ce que l'oubli sinon se souvenir au moyen d'images archivées ?
Une performance au Musée d’Art Moderne de São Paulo, en 2017, devient un motif d’émotion et de violence. Tandis qu’il présentait une relecture de l’œuvre Bichos, de Lygia Clark, dans laquelle il mettait son propre corps nu à la disposition du spectateur afin d’être manipulé, Wagner Schwartz a vu son corps (son œuvre) effleuré par une enfant, la fille d’une grande amie, qui se trouvait dans la salle au moment de la présentation. Une vidéo de ce moment a été enregistrée, complètement coupée de son contexte et disséminée sur internet. Rapidement, un torrent de haine, de violence et de sauvagerie s’est abattu sur l’artiste. Nombreuses ont été les menaces de mort reçues par Schwartz.
Toute cette situation compose une triste parabole : le Brésil odieux, haineux, particulièrement fanatique que nous sommes devenus depuis 2016 prenait déjà forme là, dans la salle innocente d’un musée. Le corps masculin réduit à l’impuissance, l’art désacralisé, devenu un objet prosaïque, une série de facteurs identifiés avec la décolonisation de la pensée dominante, ont provoqué une réaction collective criminelle, caractérisée par la persécution, par le harcèlement psychologique, par des menaces explicites sur les réseaux sociaux et, surtout, par la répétition effrénée d’un lâche enchaînement de fake news dans des médias et des groupes identifiés avec l’extrême droite — qui envisageaient même la mort de l’artiste.
Dans ce récit viscéral et expérimental, où se mêlent installation et texte, performance et parole, œuvre et autobiographie, Wagner Schwartz offre un témoignage inégalable de l’artiste victime de l’autoritarisme, de l’ombre pérenne de la violence, d’un mécanisme astucieux et dissimulé de censure en vigueur jusque dans les espaces (et pays) dits démocratiques.
Survivant, en plus d’un sens du terme, du régime autoritaire qui a pris d’assaut le Brésil à partir de 2016, Wagner Schwartz montre, dans ce roman sans pareil, la formation du mode d’être de l’art et de l’artiste qui, quoique haletants, suffocants, opprimés, désirent toujours un nouveau souffle de vie.