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Barulhos. Imagens. Tédio. Saudade. Ensaio palavra-imagem com Wagner Schwartz e Angela Glajcar

20/12/2020 Publicado no Blog Entretempos, Folha de S.Paulo

Procurava falar sobre a obra de Angela Glajcar. Procuro falar quando preciso. Se não preciso, não falo, nem palavra formulo. Tudo o que vem na cabeça são barulhos, trechos de músicas, imagens, cheiro, tédio, saudade. São coisas que talvez um artista sinta. Um escritor encontraria na forma uma experiência interior para dar de roteiro àquilo que só pensou quando entrou em contato com uma obra de arte. É que os escritores procuram palavras para tudo o que veem. Caso discorde de mim, não deve ser um escritor. Ou finge que não descobri seu maior segredo e o expus assim, em um jornal. Chegou a hora de dizer a verdade, caro escritor. Olhe para a imagem à sua frente e faça menos barulho. A arte agradece. Escritores sabem falar tão bem, inventar tão bem um significado para fazer os que os leem se orgulharem por terem entendido alguma coisa que a imagem não disse. As formas não dizem. E como é difícil para o ser humano não dizer. Inventam objetos que respondam às suas perguntas com gramática e estilo. Ah, que bonito uma obra de arte bem explicada. O galerista ama, o público ama, porque entende e porque agora, a obra faz sentido. Coisa que só gente procura. Sentido. É que pra fazer sentido é preciso comparar isso e aquilo. E se não há nem isso nem aquilo, nem perca tempo. O século 21 briga por sentido, por imagem que combine com a palavra. E se ainda juntarem a ela os bons sentimentos: horário nobre. Um totem em cada livraria com seu novo livro que explica o mundo, que fala a voz do mundo, que não deixa ninguém despovoado, que apazigua a dor ou a deixa com a cara do outro, claro, pra gente ter pena do outro e escrever sobre o outro e falar mais sobre o outro até esquecer-se de si. Mas não é exatamente isso que o século 21 nos deu de presente? Fingir o outro? Porque, claro, preciso entender aquilo que o outro quer que eu fale sobre ele enquanto uma imagem enfeita nossa conversa. E escrevo e escrevo até ajudar a outra pessoa que me lê ou que me ouve entender o que está na minha frente. Não na frente dela. Assim o mundo fica menor e menos confuso. Quanto mais a gente entende, mais diminuímos o espaço e a confusão. Então, melhor entender para pertencer àquele pequeno, grande, gigantesco grupo que consome as mesmas palavras e cansam as obras de arte. Caí em minha própria armadilha ao afirmar que uma obra de arte se cansa. Ela envelhece. A poeira consome seu significado. Vira tantas coisas que nem mesmo parece que um dia foi uma obra de arte construída por uma única pessoa. Ganha fama, cria assunto e faz outras pessoas felizes ao entrarem em contato com o que escreveram sobre ela e não com a obra de arte. E quem lê fica feliz porque entendeu o que viu. Alguém viu melhor, maior — razão nada periférica. Terforation é o título. Ao olhar para esse monte de folhas cortadas, eu poderia falar do buraco que fizeram dentro de mim há três anos e que meu livro Nunca juntos mas ao mesmo tempo ajudou a tampar. Mas só vejo buracos, um maior que o outro, e têm cor. Não quero ver mais nada: nem a pessoa, a assinatura ou a artista de nosso tempo. Vejo pedaços de papel pendurados, um atrás do outro, sistematicamente, assim como qualquer pessoa pode enxergar. Papéis fixados na parede, presos por um varal. A projeção da luz nos permite observar umas partes melhores que as outras. A distribuição da sombra e de sua falta criam impressões de que esses buracos são como imagens de um espelho refletido no outro. Quem nunca pôs um espelho na frente do outro? Viu o que pode ser visto. A sensação, cada qual tem a sua. Mas é preciso discutir a sensação para criar escolas e pupilos e seguidores e fãs e mais textos e publicações que façam a obra de arte existir no mundo reduzido das palavras, porque em terra de verbo quem fica calado é mal visto.

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