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A PRODUÇÃO ARTÍSTICA CONTEMPORÂNEA NO BRASIL
DEBATES ATUAIS EM CRISE
Printemps Littéraire Brésilien
04/05/2018
Freie Universität
Berlim

Boa tarde, me chamo Wagner Schwartz.

Um dia, um estrangeiro disse que meu nome era alemão. Mas, não nasci aqui – apesar de ter os olhos claros e uma aparência relativamente branca. Vim à Alemanha e encontrei um tanto de outras confusões. Algumas pessoas disseram que minha família era suíça e, nesse lugar, eu só tinha sobrenome, a minha pele era morena e havia uma emoção perigosa na minha escrita. Quando vou ao Brasil, me chamam Wagner, sem me perguntarem o porquê.

Morei em Berlim de 2005 a 2008 e, durante a minha passagem por esta cidade, entendi o quanto meu nome causava estranhamento – esse nome próprio que, até o presente, ouço apenas em território brasileiro. À força desses estranhamentos, a condição de não ser somente de um lugar se tornou evidente. Minhas escolhas estéticas ganharam uma consistência estrangeira. Não cabiam nem aqui, nem ali.

O deslocamento foi importante para problematizar as construções simbólicas que se criam entre o idioma de saída e aqueles, de chegada. Aos poucos, ir e vir deixou de ter relevância. Foi importante descobrir que estava sempre indo, mesmo quando estivesse revisitando algum lugar. E, no encontro das coisas que vão, encontrar objetos que não mais pertencem a esse ou àquele lugar, mas que estão em trânsito.

Estar em trânsito pode causar confusão, porque não há tempo para aderir aos hábitos regionais, que ganham força com a tradição. O trânsito pode criar conexões como Wagner Schwartz, sem constrangimento, sem a necessidade de afirmar que este nome pertence a outra região que não aquela onde foi escrito. Wagner é um nome comum no Brasil, como primeiro nome, e não tem relação evidente com Richard Wagner. Se houve um passado que legitimou a importância desse compositor, este passado não é absoluto, nem ubíquo. Ele é local. No meio em que nasci, Wagner poderia ter sido uma descoberta prestigiosa, mas era apenas um nome comum. Provincial. Um nome em trânsito.

Conjugada a este mesmo movimento, a crise política e econômica é incorporada pela criação artística. Ela está referencialmente linkada à estética, à língua e sua diversidade lexical, à arte e sua diversidade simbólica. A crise não impede que a criação aconteça. Não há como futurizar a produção artística. Há, apenas, a possibilidade de olhar para o que já foi produzido e imaginar o seu percurso. Imaginar.

No Brasil, o século XX foi marcado por escolas que quiseram desenhar o seu território, reafirmando em sua escrita o espaço rural, a favela, o interior, o parque industrial, entre outras paisagens consideradas como ‘nascidas ali’. Interessante que, neste mesmo século, a necessidade de declarar que tínhamos uma casa era mais importante que a necessidade de dizer que nossa língua viaja, avança, desconstrói monumentos. (Para lutar de igual para igual?)

Houve a antropofagia. E, para o século XXI, o que sobra?

À memória da língua.

Todos nós estamos na sarjeta,
Mas alguns de nós olham para as estrelas.
Oscar Wilde

E quem olha se fode.
Lori Lamby / Hilda Hilst

Em um país colonial, boa parte de sua produção inventa, desde sempre, seu modo de existir. A expatriação, ao meu modo de ver, não deveria ganhar uma representação metafórica, por sua incapacidade de criar modelos de participação plurais e inclusivos.

Graças à ação resistente dos corpos dissidentes, as #transproduçõesartísticasbrasileiras ressurgem com a força de experiências que nasceram não para caber neste ou naquele contexto, mas para criar seu próprio contexto.

Se o prefixo trans encontrava na retórica filosófica a sua definição, hoje ele pode ser contextualizado na experiência retiniana do corpo de uma travesti, de uma mulher trans, de um homem trans, de uma arte trans, de uma escrita trans; na falta de fundamento de um manifesto. O Séc. XXI não precisa localizar esse prefixo na história. Ele pode atualizar a sua perspectiva.

Em trânsito.

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